Este artigo foi originalmente publicado pelo Common Edge.
Toda disciplina tem seus heróis. Na arquitetura, não são poucos os personagens que costumam ser celebrados e exaltados como figuras ilustres. Frank Lloyd Wright e Louis Kahn podem ser considerados uns dos maiores ícones da arquitetura do século XX. Mais recentemente, Zaha Hadid chegou a ser tão exaltada quanto suas próprias criações, ela se tornou uma “stararchitect” (para usar um termo bem específico e tão em voga atualmente) e sua morte prematura apenas colaborou para elevar ainda mais o seu status. Mas os nossos heróis são feitos de carne e osso, isso significa que após à morte, nem todos tem um lugar garantido em nosso panteão. Embora nossos heróis sejam todos mortais, suas contribuições tendem a perdurar ao logo dos séculos.
Eu moro em Long Island Sound, Connecticut. New Haven é uma cidade modesta com um legado arquitetônico descomunal. Muito disso se deve a presença da Universidade de Yale, fundada em 1701 e por onde passaram centenas de importantes arquitetos, seja em suas salas de aula, seja projetando alguns de seus mais importantes edifícios. Entre os mais famosos diretores da escola de arquitetura de Yale estão: Paul Rudolph, Charles Moore, Cesar Pelli, Robert A.M. Stern e a atual diretora Deborah Berke. Caminhando por esta pequena cidade, nos arredores da terceira mais antiga universidade dos Estados Unidos, podemos encontrar alguns dos projetos de arquitetura mais memoráveis do século XX, obras de arquitetos consagrados como Kevin Roche, Herb Newman e Tai Soo Kim (na cidade vizinha de Hartford).
Mas tudo na vida tem um fim. A recente perda de importantes nomes da Escola de Arquitetura de Yale, como Pelli, Roche e o historiador Vincent Scully, deixa claro que um importante capítulo da história da humanidade está chegando ao fim. Todos somos mortais e nossos ídolos e heróis não têm melhor sorte nesta vida. Esta recente onda de perdas consideráveis para o campo da arquitetura nos leva a refletir, e de certa maneira, apreciar mais aqueles importantes personagens que ainda estão vivos. Em vez de apenas celebrar os grandes nomes do passado, devemos - hoje mais do que nunca - ouvir aquelas pessoas que ainda hoje estão entre nós, profissionais que todos os dias trabalham para dar forma ao mundo como o conhecemos hoje.
Herbert S. Newman, da Newman Architects, é uma das mais importantes figuras de Long Island Sound. Em seus mais de cinquenta anos de atuação, o escritório com sede em New Haven recebeu cerca de 150 prêmios de arquitetura, ajudando a construir a cidade como a conhecemos hoje, fazendo do Ninth Square um elemento vital para a região de Long Island Sound. Além de todos seus projetos construídos, talvez sua maior contribuição para a nossa disciplina esteja no seu trabalho como educador na Escola de Arquitetura da Universidade de Yale. Quando lhe perguntei sobre a sua carreira como arquiteto, sua resposta me pareceu tão aplicável a este momento quanto lhe parecia a mais de seis décadas atrás:
“Depois de me formar eu me questionei sobre a minha escolha de estudar arquitetura, porque eu não sabia como conectar a minha ambição por construir belos edifícios e aquilo que eu havia aprendido com meus pais, de que deveríamos trabalhar para construir um mundo melhor para as pessoas. Agora que me aproximo do final da minha carreira, reconheço que o meu amor pelos seres humanos sempre este a frente das minhas pretensões estéticas.”
A motivação profundamente humanista de Newman lança uma nova luz sob a sua arquitetura. Comparemos esta abordagem profissional com aquela de Tai Soo Kim, quem nasceu e cresceu na Coréia e decidiu mudar-se para os Estados Unidos em 1961 para estudar arquitetura em Yale. Com sua precisão e perseverança ele ajudou a construir dezenas de escolas por toda a Nova Inglaterra. Somente a sua humildade é comparável ao grau de consciência de sua prática profissional:
“Nunca podemos esquecer o quão importante é o trabalho de um arquiteto, e o impacto que nossas escolhas tem em cada comunidade para a qual projetamos nossos edifícios. Até mesmo os menores projetos nos apresentam uma enorme oportunidade para transformar algo comum em extraordinário. Eu penso na arquitetura o tempo todo, especialmente durante as minhas caminhadas pelo parque todas as manhãs.”
Embora o nome de Robert A.M. Stern esteja entre os mais reconhecidos e admirados no cenário da arquitetura norte-americana, o antigo reitor da Escola de Arquitetura de Yale mantém um ponto de vista bastante crítico. Apesar de trabalhar na cidade de Nova Iorque, ele nunca fica muito tempo longe de New Haven. A maneira como Stern se refere à arquitetura pode muito bem ser aplicada a cultura de modo geral:
“Estamos passando por tempos difíceis, ainda que muito interessantes para a nossa profissão. A medida que a autoridade das antigas formas construídas passa a ser questionada, principalmente pela superabundância de novas tecnologias e mídias relacionadas à arquitetura, tudo parece ser substituível. Embora os novos desafios demandem novas soluções, a arquitetura tem a obrigação de ir além de seu tempo. Seria muito ruim se decidíssemos substituir sempre o velho e antiquado pelo novo e moderno. Os arquitetos devem parar de se preocupar com seu próprio ego e com o chamado 'espírito do tempo'. Isso apenas nos leva a uma obsessão em dizer a mesma coisa com outras palavras, em vez de procurar entender o que é que fato estamos tentado dizer.”
Quando se fala de heróis, é fácil reconhecer o valor daqueles que se foram, mas é importante valorizar o trabalho de arquitetos como estes três de quem falamos a pouco - e muitos, muitos outros. Profissionais que ainda estão no seu auge, propondo novas soluções e influenciando o progresso da arquitetura. A partir de sua experiência, podemos perceber como a nossa realidade está mudando e como a arquitetura pode nos ajudar a construir um mundo melhor para todos. Deveríamos deixar um pouco de chorar o leite derramado, e em vez disso, pensar mais no presente - e também no futuro.